A teoria da história de vida procura explicar através da análise de estratégias
reprodutivas, como uma população se adapta a condições ambientais específicas.
As características da história de vida ( idade e tamanho de maturação, investimento
reprodutivo, sobrevivência e fecundidade) recebem influência intrínseca, como
restrições genéticas e permutas adaptativas, e extrínseca como impactos ecológicos
que atuam diretamente sobre a sobrevivência e fecundidade dos indivíduos. O peixe
guaru (Poecilia vivipara) é amplamente distribuído nas lagoas da Região Norte
Fluminense e sua tolerância a extremos ambientais é proporcionada pela variação
morfológica e reprodutiva entre as populações. As lagoas da Região Norte
Fluminense foram formadas recentemente (máx. 4000 anos) e caracterizam-se por
estarem sujeitas à influência da salinidade na composição vegetal e ictiofaunística.
As lagoas com maior salinidade apresentam margens sem macrófitas e populações
reduzidas de peixes piscívoros (predadores de P. vivipara). Os locais com baixa
salinidade são caracterizados por apresentarem macrófitas em suas margens e pela
alta densidade de peixes piscívoros. O objetivo principal deste trabalho é analisar a
evolução das estratégias reprodutivas e as taxas de divergência em populações de
Poecilia vivipara na planície quaternária da Região Norte Fluminense, testando
hipóteses relacionadas aos processos evolutivos e à adaptação das populações aos
extremos ambientais encontrados na região. Os espécimes foram capturados em 12
locais (8 lagoas) e de cada população foram amostradas aleatoriamente 100 fêmeas
em idade reprodutiva. Neste estudo foram medidos o tamanho corporal foi
determinado como o tamanho do centróide (uma variável geométrica de tamanho
generalizado) ou alternativamente como o peso seco dos indivíduos, a fecundidade
(número de embriões), tamanho dos embriões e o investimento reprodutivo
(proporção do peso da fêmea determinada pelo peso da ninhada). Os resultados
mostraram que as populações variam significativamente nos parâmetros
reprodutivos, sendo que os indivíduos de locais com maior salinidade, em geral
apresentam maiores tamanhos corporais, maior fecundidade, maiores embriões e
menor investimento reprodutivo. As populações apresentam diferentes estratégias reprodutivas influenciadas diretamente pelos gradientes ambientais. Um
experimento foi realizado, onde peixes provenientes de lagoas com diferenças
ambientais extremas (salinidades: 0 ppm na Lagoa do Campelo e 30 ppm na Lagoa
do Açu) foram criados em ambiente comum. Este permitiu a determinação da base
genética da permuta entre reprodução e crescimento. Mesmo sendo criados em
água doce, os indivíduos provenientes da lagoa com água salgada apresentaram
maior taxa de crescimento, maior idade de maturação e maior tamanho corporal
final. Uma comparação dos padrões de divergência observados em laboratório e na
natureza sugeriu a existência de efeitos plásticos relativos à salinidade e efeitos
genéticos, provavelmente causados por diferenças na pressão de predação nos
extremos ambientais (menor predação em água doce). A recente história geológica
das lagoas possibilitou o cálculo de taxas de divergência para as características
reprodutivas e de crescimento. A comparação das taxas observadas com as
esperadas de acordo com um modelo de evolução por deriva genética permitiu
inferir a seleção direcional como principal mecanismo evolutivo durante a
divergência de estratégias reprodutivas de P. vivipara colonizando diferentes
ambientes nas lagoas da Região Norte Fluminense. |