O mercúrio (Hg) vem se destacando em pesquisas nas últimas décadas devido a sua
notável capacidade de circulação global e por seus efeitos diretos sobre a biota, através
dos processos de bioacumulação e biomagnificação, assim como seu elevado potencial
toxicológico. Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi investigar a acumulação e
transferência do Hg total entre os principais compartimentos bióticos e abióticos
(vegetação, sedimento e fauna) do manguezal do rio Paraíba do Sul, utilizando como
uma ferramenta acessória a composição elementar e isotópica do carbono e do
nitrogênio na identificação de fontes e na estruturação da teia trófica. O trabalho tem
como primeira hipótese que a vegetação da floresta de mangue, com suas
características fisiológicas e morfológicas, influencia na transferência do Hg para os
diferentes compartimentos do ecossistema (sedimento e fauna). A segunda hipótese é
que as espécies de caranguejos estudadas apresentam diferentes concentrações de
Hg no tecido muscular, devido aos seus hábitos alimentares distintos (herbivoria e
onivoria), podendo ser observado o processo de biomagnificação do Hg e um
fracionamento isotópico do Nitrogênio entre os níveis tróficos do manguezal do rio
Paraíba do Sul. O estudo foi realizado em três sítios de amostragem, onde cada sítio
apresenta dominância em uma das três espécies vegetais típicas do manguezal do rio
Paraíba do Sul (Laguncularia racemosa, Rhizophora mangle e Avicennia germinans).
Foram utilizadas amostras provenientes de um experimento de decomposição de folhas
de serapilheira das três espécies vegetais e amostras de sedimento coletadas em
diferentes distâncias da margem de cada sítio de amostragem. Para a análise da fauna,
foram utilizadas três espécies de caranguejos com diferentes hábitos alimentares,
Ucides cordatus, Aratus pisonii e Goniopsis cruentata. Os resultados para as folhas em
decomposição apresentaram valores de Hg variando de 54 a 346 ng.g-1 para L.
racemosa, 98 a 244 ng.g-1 para R. mangle e 73 a 417 ng.g-1 para A. germinans. Em
todas as espécies houve um enriquecimento do Hg com o tempo de decomposição,
provavelmente associado a uma maior acumulação do elemento por parte da
comunidade microbiótica associada (fungos e bactérias), além de um maior aporte de
Hg recebido através do material particulado fino carreado diariamente pela incidência
da maré. Para o sedimento foram reportadas concentrações médias de Hg em cada
área de 81 ng.g-1 (20 a 120 ng.g-1), 62 ng.g-1 (37 a 92 ng.g-1) e 110 ng.g-1 (78 a 129
ng.g-1), para os sítios 1, 2 e 3, respectivamente, com os maiores valores reportados
para a área de dominância da A. germinans (Sítio 3). Esses dados sugerem a
importância da A. germinans no processo de transferência do Hg para o ecossistema
de manguezal, corroborando com a primeira hipótese. Os resultados referentes à
composição isotópica no sedimento refletem claramente a matéria orgânica proveniente
da vegetação de mangue. Para os caranguejos, U. cordatus apresentou uma
concentração média de Hg de 32 ng.g-1, com a assinatura isotópica do carbono (δ13C)
de -28,02 ‰ e do nitrogênio (δ15N) de 7,1 ‰. Os resultados foram condizentes com
seu hábito alimentar herbívoro, com uma assinatura isotópica equivalente ao reportado
para as folhas de serapilheira da vegetação de mangue. A alimentação baseada em
folhas contribuiu para os baixos valores de Hg observados. Estas concentrações estão
muito inferiores ao máximo permitido pela Organização Mundial da Saúde, não
acarretando, portanto, em riscos associados ao seu consumo pela população humana.
Já os caranguejos A. pisonii e G. cruentata apresentaram concentrações médias de Hg de 81 ng.g-1 (70 a 95 ng.g-1) e 490 ng.g-1 (254 a 777 ng.g-1), respectivamente, sendo até 20 vezes mais elevadas do que as reportadas para o U. cordatus, refletindo o hábito
alimentar onívoro das espécies. Os valores referentes à composição isotópica do C e
do N nos caranguejos indicam que G. cruentata (δ15N médio de 11,08 ‰ e δ13C de -
21,97 ‰) encontra-se em um nível trófico acima da espécie A. pisonii (δ15N médio de
8,24 ‰ e δ13C de -24,57 ‰), o que corrobora com seus hábitos alimentares, inclusive
tendo A. pisonii como uma de suas potenciais presas. Estes resultados juntamente as
diferenças no conteúdo de Hg entre as espécies, indica a ocorrência do processo de
biomagnificação do Hg e fracionamento da matéria orgânica entre os diferentes níveis
tróficos nos caranguejos do manguezal do rio Paraíba do Sul. |